quinta-feira, 21 de setembro de 2017

OLIMPO

No recanto esconso do meu covil, lambi a ferida…
Antes olhei o céu estrelado
Olhei  as estrelas,
belas as estrelas
Inalcançáveis…  intangíveis…
O sol fugiu, nem a lua me quis acompanhar…
Desapareceste ao fundo levada por um cavaleiro negro
Vénus, porque me deste coração?
Afrodite, porque me deste virilidade?
Porque me pariste, Pandora, para  tudo sempre me tirares?
Escondes-te Vénus, atras  de uma nuvem?
Envergonhas-te de teres mandado um Cupido novamente?
Cegueira
Solidão
No recanto do covil vejo  Cronos apagando o tempo
Mnemosyne, deixas-me  a imagem dos olhos de mel.
E fico, encolhido, torpe, no covil
Até que Hipnos me acolha
E Morfeu desenrole o fio da realidade que queria.
Ou que Tanatos coloque o ponto final.
Foi uma noite, uma noite apenas…

Para quem queria noites e dias…

Vicente de Sá

21 de Setembro de 2017

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Sobre o desaparecimento!

É incrível a forma como desaparecemos de nós mesmos e dos outros. 
Devagar.
Devagar é a armadilha; devagar porque não reparamos que desaparecemos.
Se fosse rápido, estender-nos-íamos até partir o corpo para nos agarrar, desesperadamente.
Mais loucos do que já somos.
Duas mãos insuficientes para as mil partículas que fogem de nós a cada respiração.
Memórias.
Não me lembro de qual foi a última vez que me doeu um joelho e me disseram que ia passar.
- Ninguém diz isso agora.
Algures continuo a tentar perceber se é porque o que dói já não passa ou porque já ninguém encontra respostas para a dor.
Esqueci-me do momento em que o meu pai deixou de acender e apagar freneticamente as luzes até as dar por apagadas. "Boa noite".
Agora quem apaga a luz sou eu e as noites não são boas.
- São para fazer as perguntas a que já ninguém responde.
E desaparecemos um no outro entre luzes quase apagadas e os anos a deixarem as boas noites para trás. (A culpa é nossa. Ser-se adulto é esquecer que desaparecemos.)
É incrível que deixemos de chorar.
Talvez seja por engolir tantas lágrimas que no final, quando a nossa pele enruga, nos lamentemos tanto.
Tão profundamente.
- Guardamos os lamentos a vida toda, que é como quem diz, aprendemos a ser maduros.
Não me consigo recordar da última vez que chorei.
Que chorei a sério.
A morrer, a não conseguir respirar, a trocar os meus olhos por lentes sujas, desfocadas.
Talvez porque já faz muito tempo.
Talvez porque as lágrimas se engolem e os lamentos se guardam e é assim que tem que ser.
Não sei quando foi a última vez que alguém chorou por mim.
- Não sei se alguma vez alguém o fez realmente.
Vejo-lhes ainda, no entanto, o brilho ali atrás da pupila.
O olhar vidrado.
A pedir para si mesmos porque a coragem falta para me pedir a mim "Não me faças isto".
Não se pede misericórdia em terreno de batalha.
Não se pede amor a pessoas vazias.
Eu faço na mesma.
E eu faço na mesma, porque é a puta da vida, e a puta da vida é assim.
E "assim" é muito mais do que aceitamos que "assim é".
Aceitar é difícil. Significa não tentar e não desistir.
Passa por fazer de conta que já passou, quando no outro lado de nós nos amarramos e amordaçamos como bons adultos que somos para não desatar aos berros com o cabrão que nos diga "Existe outra forma".
Note-se que a raiva não é pela solução, mas pela falta dela.
Ninguém sabe, nenhum filho da puta faz sequer ideia, que outra forma é essa.
Mas acima de tudo, não se brinca com o desespero de ninguém.
- Ainda assim gostamos de brincar às coisas bonitas.
Às boas pessoas quando não passamos de uns merdas que não se conseguem entender a si mesmos.
Desculpamos-nos com "eu tentei" e "eu não fiz nada" e "eu fiquei no meu lugar" e somos todos uns merdas porque não acreditamos nisso e não acreditamos, principalmente, que um dia deixemos de ser uns merdas.
Desaparecemos.
Desaparecemos como a tinta que jaz há muito tempo num papel e não há nada a fazer senão lamentar o seu desaparecimento.
Anuir, pronto, está bem.

Fingir que ficamos bem, que amanhã é outro dia e nesse outro dia sabemos perfeitamente o que fazer.
Ninguém sabe.
Talvez por sorte ou porque as coisas são mais do que pensamos, acabamos onde achamos que devemos estar.

Memórias.
Não me consigo lembrar da primeira vez que pisei areia ou que senti o cheiro do mar.
Não me consigo lembrar da primeira vez que chamaram o meu nome ou que me abraçaram com força.
- Isto são coisas que devíamos lembrar.
A que soa o nosso nome a primeira vez que é dito.
O que nele está contido, de repente.
A noção que alguém nos quer ali, por perto.
A que sabem os braços a formar uma casa em volta do nosso corpo pequeno.
Do nosso corpo sem noção.
Acima de tudo, sem noção. Sem noção de todas as vezes que vai sangrar e que vai ser destruído antes de aprender que baixar cabeça não é uma opção.
(A culpa não é de ninguém e é de toda a gente. - Cabeças levantadas dão medo. Principalmente porque não olham os nossos olhos.)
Não me consigo lembrar da ultima vez que me senti em casa, em casa.
- Passo os dias a correr na minha cabeça e a minha cabeça não é casa.
A minha cabeça é beco.
"Estás a viver dentro da tua cabeça". (Como gostava de morrer dentro dela.)
É assim que se faz.
Põe-se um pé em frente do outro.
Deixa-se de ter palavras para quem queremos dizer as nossas entranhas.
Intestinos, coração, sangue, veias.
Deixa-se de ter palavras e começamos a falar demasiado com as paredes.
Com o escuro das noites que não são boas.
Com o lado fresco da almofada, que até fresco faz lembrar o inferno.
Todos sabemos a que sabe o inferno.
Sabe a palavras em demasia.
Palavras a quererem sair à força pelas costuras das nossas seguranças inventadas.
Porque todas as seguranças são inventadas.
Até a do primeiro abraço, de que não nos lembramos e por isso, é a que melhor inventamos.

Inferno.
É a melhor farsa já inventada, a forma como nos queremos salvar.
Nenhum cabrão se salva.
Nem um!
Porque o inferno não é uma decisão de final de vida, uma realização mal conseguida em estado final.
O inferno é a vida a ser realizada com a noção de que cada estado, é um estado final. ~
Cada corte, um desaparecimento.
Cada perda, um pedaço de nós para deitar fora.
Para pôr de parte.
Para fingir que é uma cabeça levantada.
- E a cabeça levantada é muitas vezes o mundo a arder por dentro.
É assim que se faz.
Desaparece-se entre entre a falta da "boa noite" e do aconchegar dos lençóis.
Desaparece-se entre os poucos abraços que servem de casa e que, gradualmente, deixam de o ser.
Somos todos uns merdas que se convencem de não mendigar amor quando na verdade se deixam morrer de fome.
Porque morrer de fome é mais fácil que dizer "diz-me boa noite".
E não queremos ser ridículos, queremos ser adultos.
Mas ser adultos é esquecer e engolir lágrimas, e engolir lágrimas é asfixiar no inferno pessoal que criamos dentro de nós, para não nos sentirmos tão sozinhos.
É incrível a forma como deixamos desaparecer os outros de nós. 
E nós dos outros. 
Sentamos-nos estáticos e esperamos que a dor passe porque a puta da vida é assim.

A puta da vida, só pode ser assim.

(E se pudesse ser outra coisa qualquer?)


Amália Lopes
05 de Julho de 2017

quarta-feira, 15 de março de 2017

já o sol se vai pondo para a banda do mar...






Tanto pôr de sol...

Tanto sonho...

Tanto poema...

O tempo...

O tempo passou...

Os anos...

Dos sonhos ficou a lembrança...

Dos amores ficou a memória...

Nas rugas do tempo em que os cabelos brancos cresceram

dos amores, das paixões...

Ficaram saudades...

... ... ... ... ... ...

E a frase de meu pai...

"Já o sol se vai pondo para a banda do mar..."

... ... ... ... ... ...

(coisas de poetas)




Vicente de Sá

15 de Março de 2017