sábado, 21 de abril de 2012

cravos no chão...


Apanhei os cravos do chão!



Olhei-os, triste!

Espezinhados…



      ….      



Os grandes delírios da noite anterior…

O grande delírio em que muitos nem sabiam além do álcool o que comemoravam…



          



È preciso levantar os cravos do chão!



o grande feito desse dia 25 de abril!



Foi abanar a arvore e o fruto podre caiu!



Mas…



A podridão minava, sempre presente nos recantos húmidos e tépidos…



     



é que a seguir foi 26 de Abril!



varremos do chão os cravos…



espezinhados.



com eles os sonhos…



e fomos ganhar p’ra bucha!



de vez em quando encontramos alguém e recordamos…



Sonhos…

Ideais…



E a podridão continua tomando conta dos frutos!

Até que alguém abane novamente a árvore

E traga um pouco de esperança ao povo,

Outro povo…



Que no dia seguinte…



Irá ganhar p’ra bucha!



     



Amanhã vamos outra vez comemorar com cravos…

Que, espezinhados, no dia seguinte alguém varerá…



        



Que alguém… apanhará do chão…

E …



A vida passou, e os sonhos não passaram disso.


Vicente de Sá, 2007

perguntaste-me de abril, meu amor?


Meu amor:


Falaste-me de Abril…


Que te direi…


Apenas que sonhei!


Ai Abril, Abril…


Sabes, nesse dia, eu, com apenas onze anos, cheguei a casa, vinha da escola, e lembro-me, num velho armário de tábuas de pinho estava um pequeno rádio, transístor, que naquela altura ainda soava a novidade, um pequeno rádio que lembro como se fora hoje: plástico laranja por trás, metalizado prata á volta, e negro pela frente.


Tocava músicas marciais.


Minha mãe disse-me:


-Houve uma revolução em Lisboa!


Revoluções, eu conhecia da história.


Eram feitos heroicos sempre a bem do povo.


E eu queria o bem do povo, e gostava da história heroica que me contavam.


Ai meu amor! Eu estava com a história!


Aqui comando geral do movimento das Forças Armadas…


Algo que começara as três da manhã só as sete da tarde eu sabia.


Tanto que eu não sabia!


Foi o mundo que se abriu!


Foi o saber que aqueles que me ensinaram a venerar não passavam de ditadores!


Gente que não deixava pensar, que não deixava ser, que não deixava amar!


Vi abrir-se a minha terra/ como um cravo de ternura…


Acreditava-se!


Acreditava-se na felicidade, acreditava-se na liberdade.


Eu, nos meus onze anos, eu que sempre vira a fraternidade e a solidariedade como grandes valores, percebi que havia gente a engordar á custa de outros que da miséria faziam o seu dia-a-dia.


Percebi que nem todos os homens tinham a mesma justiça, percebi que muitos não estavam com as suas famílias, seus pais, suas mães, porque um estranho poder não deixava.


Ai, meu amor!


Quanto me deram para sonhar em Abril!


Deram-me amor, esperança, mas também ódio, raiva, revolta e coragem!


Tanto sentimento contraditório!


Deram-me a democracia e disseram-me que todas as pessoas são iguais em direitos e deveres!


E eu acreditei!


Eu acreditei! …


Disseram-me que os homens e as mulheres eram pessoas!


Que nenhum tinha prevalência sobre o outro, e eu acreditei.


E de tudo isso fiz a minha batalha, a minha luta, a minha honra!


Juntei-me aos mais velhos que me contavam as histórias da repressão, ouvi-os.


Quis continuar a luta contra os “alguns” privilegiados e sonhei o mundo perfeito.


Quanta desilusão, amor.


Quanta desilusão!...


Acreditei que cada um poderia ter mais importância quanto mais desse ao seu povo.


Acreditei que conhecer e participar no crescimento do povo era mais importante.


Desilusão!...


Não pilhei, não roubei!


Não fiz nada por mim!


Só o meu pensamento enriqueceu, mas isso não paga o pão.


Acreditei na cultura, na história, na filosofia!


Mas acreditei mais na poesia, no romance…


Perdia vida!


Ai, amor!


Falar de Abril!


Perdi-lhe o significado!


Os vampiros andam por ai!


Os caciques, escapam da justiça, o povo continua arreigado às suas crenças e á sua ignorância.


Cada um vota no seu umbigo e não num ideal.


Ai, Abril, amor!


Que sonho que passou, que não há mais nessa bola colorida entre as mãos de uma criança.





Só há liberdade a sério quando houver


A paz, o pão, habitação, saúde, educação.


Só há liberdade a sério quando houver


Liberdade de mudar e decidir


Quando pertencer ao povo o que o povo produzir





Entretanto temos os vampiros.


Entretanto temos os pesadelos de não saber se amanhã temos pão


De saber se amanhã não teremos que queimar os nossos livros


Ai meu amor, Abril deu-me esperança e deu-me mágoa.





Deu-me liberdade de amar, mas roubou-me o direito de amar.


Abril colorido de flores, de vermelhos cravos.





Numa pomba e num ramo de oliveira te quero dar a guerra!


Contra a ignorância, contra a pequenez de espírito, contra o analfabetismo.


Em suma contra todo o campo de batalha em que o povo continua reduzido e escravo a bem de alguns.





VIVE ABRIL.




Vicente de Sá
2006

quarta-feira, 4 de abril de 2012

tuas mãos


Observar apenas

Observar níveas mãos

De perfil perfeito

E querer tomá-las



Mãos

Fonte da acção

Fonte do gesto

Querê-las entre as minhas



Tomá-las

Senti-las

Desejo intenso



Sentir a transmissão da energia

A suavidade da pele

Sentir

Aproximar



Chegar através das mãos

Ao mais profundo do ser

E sentir

Sentir o pulsar do coração





a espera


Esperei

Esperei que o lugar vazio

Reservado ao meu lado

Fosse ocupado



Esperei a noite inteira

Esperei os dias

Não

Não se ocupa

Fica vago

Ficará sempre vago?



Somente a solidão

Somente o silêncio da multidão

Somente o vaguear perdido



Esperança?

Ténue esperança

Quero voltar a ser homem completo

Quero voltar a ser dois géneros



Ao meu lado apenas um lugar vazio

Que espera

terça-feira, 3 de abril de 2012

negação


dominar a vontade

dominar sentimentos

contrariar o espírito

contrariar o corpo

contrariar as acções

por desejar rebentar todas as barreiras

e nada poder

dominar, dominar

controlar, controlar



onde está a liberdade

onde o amar até a exaustão

contra as convenções

contra tudo

contra todos



nada

ficar apático numa espera interminável

e nada, nada



o nada é o que acontece

o vazio

raio de luz


A luz…

A luz que ilumina a sombra,

A sombra

O teu recanto esconso

A luz…

A luz que entra pela fresta das pedras frias

Do gelo da tua caverna

A luz que emana de um rosto

A luz que faz crescer o peito

A luz que faz pulsar

A luz que faz o coração estalar

Sonho apenas…

O nunca

O nunca de ver o sol

Nem no verão mais intenso

Não, alma minha

Não!

Esconde-te na tua caverna

Sente o que o teu direito natural

Por desgraça te deu.

Nunca estares no tempo.

Nunca seres nem teres…

Tanto tens

Mas nada vale

Canta…

Canta em pranto apenas dor

Apenas silêncio

Canta gemidos de dor.

O prazer, felicidade não são contigo

Serás sempre mendigo

Mendigo de migalhas

Mendigos de olhares

Mendigo de atenção

Os teus dons nada valem

Sossega na tua caverna

No teu recanto esconso

Dentro de ti

E ama só

Só dentro de ti

Há uma rosto de luz

Ele entra pela fresta da tua caverna

Mas só se mostra

É um sol distante.

Que só tens direito de amar


Só dentro de ti.