Vi gerações condenadas á rabiça do arado, á enxada, á monda, á ceifa pelo salazarento Estado Novo! “Vindima” do Torga bem o mostra, e mais umas quantas obras da literatura portuguesa.
Gerações hipotecadas!
O meu avo foi abandonado pela primeira república nos campos da Flandres como tantos o corpo expedicionário português.
Geração hipotecada?
A geração dos meus pais foi condenada á guerra colonial e á emigração.
Pelo menos mais duas gerações perdidas.
A minha geração foi condenada ás transformações da revolução de 74. Destruição do sistema de ensino sem que ganhos tenham ocorrido com os novos modelos. Modelos em que, durante décadas, vimos reformas atrás de reformas e para intercalar vieram mais reforma, sem nunca se construir um modelo durável.
A luta entre a escola e o trabalho, entre ser um estudante teso e um operário da construção civil com uns tostões no bolso mas que podia pensar em constituir família (no fundo o objectivo mais básico do ser biológico mas com uma força tremenda). Quem vence?
Geração hipotecada?
Fiz a estreia do ensino secundário e a sua reformulação. Desisti da escola, nada consegui.
Fui ao nocturno, dito recorrente, vivi uma nova reforma.
Fui dos últimos "ad oc" e provei que tinha conhecimentos para entrar numa universidade. Mas nova reforma me foi oferecida e mandaram-me para pré-bolonha.
Mas a minha avançada idade e não ter paizinhos ricos, nem quaisquer formas de subsistência que não fosse o trabalho, e não sendo funcionário público num daqueles lugares que me dão todas as prorrogativas do estatuto de trabalhador estudante, acabaram por me lançar na aldrabice economicista de Bolonha.
Não, não terminei o curso! O aumento do valor de propinas implementado por aqueles que fizeram o curso ao preço da uva mijona impediu-me de pagar e sustentar o “luxo” de frequentar o ensino superior aos quarenta e tal anos. De legitimar de forma oficial apenas, nada mais, nem reivindicando um emprego, apenas querendo a creditação como licenciado da capacidades que de facto possuo e em que acredito!
Hipoteca de gerações?
Eis alguém com diversas aptidões, competências e saberes, mas sem nenhuma habilitação oficial.
Desempregado!
Ver corjas de imbecis a reclamar!
Sim!
Ver gerações hipotecadas de licenciados analfabetos a quem o exercício de pensamento é um esforço sobre-humano porque as quotas e os interesses políticos do momento tinham que exibir sucessos num pais de analfabetismo funcional crónico!
Ver gerações de outros com capacidades pensantes que acabam no mesmo barco mas que não são capazes de ser yes man’s.
Ver também gerações de outros a quem a fortuna condenou ao trabalho que castiga o corpo, indefesos perante patrões despóticos apadrinhados pelos regimes capitalistas e neoliberais as quem o único objectivo é o grande lucro e não a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Ver também aquelas gerações ou aqueles que em cada geração ficaram no limbo da incompreensão colectiva porque não são carne nem peixe mas que tinham um sonho.
Vitimas de todas as gerações, renegados de todas as gerações, esquecidos de todas as gerações, uni-vos num diálogo dos insatisfeitos, dos abandonados e esquecidos, dos que deixaram morrer os seus sonhos às mãos da mísera necessidade de sobrevivência de ter que conviver com um mundo em que uns levam tudo e outros ficam com migalhas!
Cada sonho que em cada geração morreu é de certeza um passo a menos que a humanidade avançou!
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